quinta-feira, 23 de outubro de 2008


GONÇALVES DIAS (1823-1864)


Nascido no Maranhão, era filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça cafuza brasileira, tendo em suas origens a trama genética formadora do povo brasileiro: branca, indígena e negra. Estudou em Portugal onde terminou o curso de direito na Universidade de Coimbra, retornando em 1845, após bacharelar-se. Mas antes de retornar, ainda em Coimbra, teve contato com os grupos literários da Gazeta Literária e de O Trovador, interessando-se pelas idéias românticas advogadas em Portugal por Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho. Em 1849 fundou com Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo a revista Guanabara, que foi um dos órgãos do movimento romântico, precedida pela revista Niterói. Voltou à Europa em 1862 para tratamento de saúde. Sem resultados, retornou ao Brasil em 1864 num navio que naufragou na costa brasileira; salvaram-se todos, exceto o poeta que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou. O acidente ocorreu no Maranhão.
Abaixo seguem alguns poemas de Gonçalves Dias. Para localizar os poemas "Canto do Guerreiro", "Canto do Piaga" e demais poemas indianistas do livro publicado em 1847 por Gonçalves Dias, favor seguir o link referente aos Primeiros Cantos no final desta postagem.


LEITO DE FOLHAS VERDES


Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu, sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d`alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!



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MARABÁ


Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"


— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!



Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:"
Teus olhos são garços",
Responde anojado,
"mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"


— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.



Se ainda me escuta meus agros delírios:
— "És alva de lírios",
Sorrindo responde,
"mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."


— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor!


—"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá":
Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."


— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram
— De os ver tão formosos como um beija-flor!


Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"

————


E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:


Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!


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CANÇÃO DO EXÍLIO


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


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