sábado, 16 de maio de 2009

MANUEL BANDEIRA





POÉTICA


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.


Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.





DESENCANTO



Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.


- Eu faço versos como quem morre.





POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL


João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.





PIERROT MÍSTICO



Torna o meu leito, Colombina!
Não procures em outros braços
Os requintes em que se afina
A volúpia dos meus abraços.


Os atletas poderão dar-te
O amor próximo das sevícias...
Só eu possuo a ingênua arte
Das indefiníveis carícias...


Meus magros dedos dissolutos
Conhecem todos os afagos
Para os teus olhos sempre enxutos
Mudar em dois brumosos lagos...


Quando em êxtase os olhos viro,
Ah se pudesses, fútil presa,
Sentir na dor do meu suspiro
A minha infinita tristeza!...


Insensato aquele que busca
O amor na fúria dionisíaca!
Por mim desamo a posse brusca:
A volúpia é cisma elegíaca...


A volúpia é cisma que esconde
Abismos de melancolia...
Flor de tristes pântanos onde
Mais que a morte a vida é sombria...


Minh'alma lírica de amante
Despedaçada de soluços,
Minh'alma ingênua, extravagante,
Aspira a desoras de bruços.


Não às alegrias impuras,
Mas a aquelas rosas simbólicas
De vossas ardentes ternuras,
Grandes místicas melancólicas!...

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